Rodas de Conversa: Saúde, Imigração e Refúgio

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O cenário de crise econômica, as guerras e os desastres naturais acabam resultando em um maior fluxo de pessoas saindo de seus países em busca de melhores condições de vida. A grande presença de imigrantes e refugiados no município de São Paulo traz desafios para os serviços públicos e reforça a necessidade de fortalecimento de políticas públicas voltadas para esta população.

Segundo dados da Assessoria Técnica da Tecnologia da Informação/SMS-SP (AGUIAR et al., 2015), em fevereiro de 2015 estavam cadastrados no sistema do Cartão Nacional de Saúde do município de São Paulo 39.474 pessoas de diferentes nacionalidades.

Em 2013, sob a gestão do prefeito Fernando Haddad, a Prefeitura de São Paulo criou a Coordenação de Políticas para Migrantes, trazendo a questão dos imigrantes e refugiados para o campo dos direitos humanos. Já em 2014, inaugurou o Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI-SP), visando oferecer serviços de acolhida, assistência social, orientação psicológica e jurídica, formação e orientação especializadas para imigrantes.

Atendendo a uma solicitação do Conselho Municipal de Saúde foi formado um Grupo de Trabalho (GT), com a missão de apresentar uma proposta de política de saúde para imigrantes e refugiados. Este trabalho foi finalizado e aprovado em agosto de 2015.

Em outubro do mesmo ano a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) ofereceu seu apoio técnico à Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (SMS-SP). Em 2016 OPAS/OMS e SMS-SP firmaram um termo de cooperação onde um dos objetivos era implantar uma política de saúde para a população imigrante e refugiada, de forma a melhorar o atendimento e os serviços voltados para esta população. Através deste apoio técnico foi possível articular uma coordenação técnica com experiência em saúde do imigrante para o desenvolvimento e fortalecimento deste processo e a coordenação de um novo GT de Saúde dos Imigrantes e Refugiados.

Este novo GT foi composto por representantes da coordenação da Atenção Básica, da coordenação de Epidemiologia e Informação, do programa municipal de DST/Aids, das seis Coordenadorias Regionais de Saúde (CRS), da Autarquia Hospitalar, da COVISA, das Escolas Municipais de Saúde Regionalizadas, da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania e Coordenadoria de Políticas para Migrantes, da Secretaria da Mulher, do Centro de Estudos Augusto Leopoldo Ayrosa Galvão (CEALAG da Santa Casa de São Paulo) e da OPAS/OMS no Brasil. O grupo se reunia sistematicamente e realizava um fórum mensal com a participação da sociedade civil, de ONGs e coletivos de imigrantes e refugiados e acadêmicos.

Ainda neste ano, no dia oito de julho 2016, foi aprovada a lei municipal nº 16.478, instituindo a Política Municipal para a População Imigrante e a criação do Conselho Municipal de Imigrantes, um marco na luta pelos direitos de imigrantes e refugiados.

Ações educativas e as rodas de conversa
Em dezembro de 2015 foi realizada uma grande oficina de trabalho para construção de um plano de ação. Participaram trabalhadores de Unidades Básicas de Saúde (UBS) das seis coordenadorias, representantes da sociedade civil, OPAS/OMS, imigrantes e refugiados. Os participantes concluíram que o maior desafio do grupo seria trabalhar questões de xenofobia, discriminação e barreiras causadas pelas diferenças culturais e de idiomas.

Uma das primeiras ações promovidas foi a realização da campanha “O SUS é para tod@s. #xenofobianao”, com cinco vídeos realizados pelo Canal Profissional da Rede São Paulo Saudável, que estão sendo transmitidos em mais de 800 estabelecimentos de saúde. O objetivo era que o público pudesse identificar a diversidade de povos e nacionalidades que formaram a população de São Paulo, refletir sobre o conceito de xenofobia e reforçar o princípio de universalidade do Sistema Único de Saúde.

Outra ação educativa de grande destaque foi a realização demais de duzentas rodas de conversa, em 63 serviços de saúde, indicados como os que atendem um grande número de imigrantes e refugiados. Durante três meses de ação, sete imigrantes de diferentes nacionalidades (Congo, Guiné Bissau, China, Palestina, Haiti, Peru e Bolívia) foram mediadores culturais das discussões, acompanhados de dois docentes, gerentes dos serviços, interlocutores das regiões e das escolas regionais de saúde.

A seleção dos mediadores culturais observou alguns critérios: experiência em palestras e rodas de conversa, dinamismo e disponibilidade de horário, alguma fluência em português, engajamento na luta pró-imigrantes e refugiados, respeito à diversidade de nacionalidade e familiaridade com questões de gênero. Já os docentes foram selecionados através de recurso hora aula, por uma banca que analisou 27 currículos recebidos.

O objetivo das rodas era qualificar o atendimento aos imigrantes e refugiados nos serviços de saúde, divulgando a política municipal de saúde para esta população através da sensibilização dos trabalhadores da saúde sobre imigração e refúgio, diferenças culturais e de serviços de saúde, enfrentamento à discriminação, preconceito e xenofobia, contexto da imigração e universalidade do SUS.

Cada serviço de saúde participante realizou, em média, três rodas diferentes: a primeira teve como disparadora a frase “De onde vim”, possibilitando a discussão sobre antepassados, origens e formação da população de São Paulo; a segunda roda possibilitou a discussão sobre os desafios e as potências de cada serviço, no que envolve o atendimento e acolhimento para população de imigrantes e refugiados e, por fim, na terceira roda, pacientes imigrantes atendidos pelos serviços de saúde puderam trocar experiências usando o chá como disparador da discussão, levando em conta que muitos países tratam doenças através do uso de chás e medicamentos naturais.

Sobre os pontos discutidos nos encontros destaca-se a percepção da importância de se resgatar a história da formação da população brasileira e, especificamente neste caso, da paulistana, como forma de enfrentamento à xenofobia. Esta reflexão trouxe como desdobramento a discussão sobre as diversas formas de discriminação, indo além da imigração e do refúgio.

Outro ponto destacado durante as rodas foi a diversidade cultural e de idioma, barreiras que dificultam tanto o acolhimento como o atendimento em serviços de saúde.

O desconhecimento quanto aos cursos de português oferecidos a imigrantes e refugiados, assim como a falta de profissionais que conheçam outros idiomas também foram debatidos, pois são fatores que acabam gerando problemas no cotidiano de atendimento e acolhimento, dificultando a explicação de sintomas e efeitos colaterais e o acesso de imigrantes e refugiados aos serviços de saúde. As longas jornadas de trabalho dos imigrantes e refugiados também foram apontadas como impeditivos para a adesão ao tratamento.

Também foi ressaltado que os profissionais muitas vezes não sabem sobre as redes de acolhida a imigrantes e refugiados, que são ofertadas pelo poder público e por ONGs e coletivos. Além disso, alguns profissionais resistem em aceitar que discriminação, racismo e xenofobia contra imigrantes e refugiados existam nos serviços de saúde.

Alguns serviços mostraram ações positivas, realizadas na tentativa de solucionar estas dificuldades. O fato de algumas unidades contratarem imigrantes como funcionários foi uma das ações apontadas, por auxiliar o atendimento aos imigrantes e também por proporcionar aos funcionários a oportunidade de conviverem com culturas e nacionalidades diferentes.

A elaboração de material educativo pelas unidades e serviços, parcerias com entidades civis e governamentais, inclusão de imigrantes nos Conselhos de Saúde e também foram ações citadas como positivas.
A importância dos agentes comunitários de saúde (ACS) também foi reforçada, pois eles são profissionais que conhecem bem os territórios e podem fazer a ponte entre os serviços de saúde e os imigrantes e refugiados, potencializando as relações já existentes.

As Supervisões Técnicas de Saúde de São Mateus e da Lapa Pinheiros deram continuidade as discussões sobre saúde, imigração e refúgio realizando novas rodas de conversa.

Como balanço geral das rodas de conversa, foi possível observar que é de fundamental importância dar continuidade às ações educativas e de integração, no que diz respeito ao atendimento e acolhimento de imigrantes e refugiados no campo da saúde além do papel essencial do trabalho em rede intersetorial, possibilitando maior aprendizado e troca entre os profissionais, resultando em melhoria no atendimento da população de imigrantes e refugiados e fortalecimento das diretrizes do SUS.

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